domingo, 7 de outubro de 2007

Artigo: Prof Ademar Cirimbelli

ESCOLA DE APRENDIZES-MARINHEIROS DE SANTA CATARINA
150 Anos de História e Ensino de Qualidade

Ademar Arcângelo Cirimbelli
Presidente da Fundação de Apoio ao Estudante Catarinense FAEC (ONG)

A Escola de Aprendizes-Marinheiros de Santa Catarina (EAMSC) foi instituída pelo Decreto Imperial nº 2.003, de 24 de outubro de 1857, com fulcro na Lei nº 148, de 27/8/1857, recebendo a denominação inicial de Companhia de Aprendizes Nacionais. O ato foi assinado pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha, Conselheiro José Antônio Saraiva, com a rubrica de Sua Majestade, o Imperador D. Pedro II. No mesmo decreto, foram criadas duas Companhias, uma sediada na Província de Santa Catarina e outra na de Pernambuco. (Registre-se aqui uma coincidência. A nossa única Universidade Federal UFSC - foi criada pela Lei nº 3.849, de 18/12/1960, juntamente com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, graças a acordo com a bancada potiguar)! O artigo 3º do citado Decreto dispôs que, na Província de Santa Catarina, funcionariam duas Divisões: a primeira seria aquartelada na Capital da Província (Desterro) e a segunda, na cidade da Laguna. O professor Oswaldo Rodrigues Cabral, consagrado historiador catarinense, registra, em Nossa Senhora do Desterro, que "A Divisão da Laguna foi instalada em 1864 e funcionou até 1873".

Pelo Decreto Imperial nº 9.371, de 14/2/1884, as Companhias de Aprendizes-Marinheiros foram reformadas, passando a denominarem-se Escolas de Aprendizes-Marinheiros. A de Santa Catarina tomou o número 10.

Segundo o bibliófilo, ensaísta, crítico e escritor Iaponan Soares de Araújo, em sua obra Estreito - Vida e Memória, "a EAMSC é o estabelecimento de ensino mais antigo de Florianópolis".

Um dos maiores historiadores de Santa Catarina, o Almirante Lucas Alexandre Boiteux, colaborador do jornal A GAZETA, em treze artigos publicados no período de 13 a 30/10/1957, sob o título A Escola de Aprendizes-Marinheiros de Santa Catarina (Escorço Histórico: 1857-1917), destaca: "A criação das Escolas de Aprendizes-Marinheiros é concepção genuinamente brasileira. Foi o Brasil a primeira nação a pôr em prática tão úteis estabelecimentos de educação militar-naval, idéia hoje quase universalmente vencedora. Instituição alevantada e filantrópica, a EAMSC tinha por fito essencial arredar da miséria e do vício inúmeras crianças desvalidas, abandonadas pela sociedade, transmutando-as em elementos sãos e aptos ao serviço da Pátria e, afinal, da comunidade. Sua implantação, em Santa Catarina, deveu-se aos esforços e ao grande interesse do inolvidável marujo patrício, o Almirante e Senador do Império, Jesuíno Lamego Costa, Barão da Laguna - por isso a Divisão da Laguna. Nessa grande empreitada, foi auxiliado pelos devotados parlamentares catarinenses Brigadeiro Jerônimo Francisco Coelho e Tenente-Coronel José da Silva Mafra".

A coragem e a perícia dos nossos pescadores, a intimidade dos seus filhos com o mar, também foram levadas em consideração.

A instalação da Escola deu-se no dia 5/1/1858, sob o comando do Primeiro-Tenente Tomaz Pedro de Bittencourt Cotrim, no patacho (embarcação mercante) "Activa", fundeado no bairro da Rita-Maria, ocasião em que foram matriculados 15 aprendizes-marinheiros. "Seu primeiro professor foi José Pedro da Silva, Mestre d´Armas, que acumulava a função de Mestre de Primeiras Letras". Cotrim nasceu no Rio de Janeiro, em 6/7/1830, e faleceu em Montevidéu, em 1879, no posto de Capitão-de-Fragata. Oswaldo R. Cabral, utilizando outra fonte de pesquisa, registra que "o primeiro comandante do estabelecimento foi José Eduardo Wandenkolk, Capitão dos Portos de Santa Catarina, grande incentivador do esporte do remo", e que "a Escola ficou sediada na Capitania". Passou por sete outros locais até 1907, quando foi transferida, com o apoio do Governador Gustavo Richard, para a antiga "Hospedaria de Imigrantes", situada no chamado "Saco do Padre Ignácio, arraial do Estreito", município de São José, atual Portal Turístico de Florianópolis, em Coqueiros, onde permaneceu por 36 anos. (A Vila do Estreito, que também se chamou João Pessoa, pertenceu ao município de São José até 1/12/1944, data em que foi incorporada à Capital). Era comandante da Escola, o Capitão-Tenente Arnaldo Siqueira Pinto da Luz que, posteriormente, foi Almirante e Ministro da Marinha. De 1943 a 1950, período de construção da sede definitiva, a Escola teve suas atividades suspensas. Em 29.10.1950, quase cem anos após sua criação, foram inauguradas suas atuais instalações.

O conjunto arquitetônico, belo e amplo, no subdistrito do Estreito, junto à Avenida Marinheiro Max Schramm, é banhado, aos fundos, pelas águas do mar, com reverências recíprocas. Comandava a Escola, o Capitão-de-Corveta João Batista Francisconi Serran. Cento e setenta e um alunos compuseram sua primeira turma de formandos, denominada "Turma Afir". O curso teve a duração de quarenta semanas. A propósito, a avenida recebeu aquele nome em homenagem ao heróico marinheiro, natural de Florianópolis, "marujo formado na EAMSC, que salvou a vida de trezentos marinheiros e o seu navio, contratorpedeiro Greenhalg, durante explosão na praça de máquinas".

A bem da verdade, transcrevemos mensagem que recebemos do Capitão-de-Fragata Refº Hélio Marroig de Mello Filho, em 11/5/2007, sobre o triste episódio: "Reverenciar os nossos heróis é sempre uma honra e um dever. Max Schramm era marinheiro do CT Greenhalgh, em 1951, e se encontrava na Praça de Máquinas, de serviço, no momento do acidente.

O navio fazia teste de máquinas por trás da Ilha Grande. Desenvolvia sua velocidade máxima de 36 nós. O sistema de Praças de Máquinas à vácuo não permitia manobras erradas no seu acesso. Alguém, ao sair da Praça de Máquinas, deixou aberta a porta exterior da antecâmara. O primeiro homem a deixar a Praça, depois disso, ao abrir a porta de acesso interno, provocou a inversão do fogo das caldeiras. Em poucos segundos, as chamas sobre as tubulações de vapor superaquecido fizeram explodir a rede principal de vapor. O pessoal de serviço jogou-se no poço e morreu queimado. O Chefe de Máquinas (CHEMAQ) tinha subido para almoçar. Encontrava-se, na Praça D´Armas, quando ouviu uma explosão. Correu para o convés e viu a fumaça branca do vapor superaquecido, saindo da gaiúta de Bravo l. A temperatura era insuportável. Todos se afastaram do acesso. Ao tentar descer na Praça, foi agarrado pelo marinheiro de primeira classe, Hilton. Para se desvencilhar de quem o impedia, foi obrigado a lhe dar um soco. Desceu, consciente, para a morte. Lá embaixo, no inferno, as válvulas de alimentação das caldeiras, cujos volantes estavam em brasa, precisavam ser fechadas para que as caldeiras não explodissem, levando ao fundo o contratorpedeiro. O passadiço tocara postos de abandono. E todos os procedimentos começaram a ser cumpridos. O CHEMAQ resistiu aos ferimentos e queimaduras, por ter respirado o ar e fechado, com as mãos, as referidas válvulas. Nos braços, apareciam ossos e, na barriga, as vísceras estavam à mostra. Seus pulmões, depois diagnosticado, não mais existiam. Foram expostos ao vapor de 960ºC. Sem que se saiba como, conseguiu sair da Praça por uma escada de quebra-peito, sem músculo nos braços. Max Schramm já havia tombado morto. Com um eixo e uma Praça de Caldeira, o Greenhalgh arrastou-se até o Rio de Janeiro. O CHEMAQ, levado juntamente com outros dois acidentados para o HCM, faleceu no dia seguinte, do lado do irmão que também era de Marinha, da mesma turma da Escola Naval. Temos certeza de que não só o marinheiro merece o nosso carinho. Todo o pessoal de serviço no quarto foi igualmente digno do nosso respeito. Santa Catarina fez essa justa homenagem e a Marinha homenageou o CHEMAQ, batizando um Rebocador de Porto com o seu nome: Comte. Marroig (Antônio Marroig de Mello)".

"A Escola, estabelecimento de ensino militar da Marinha do Brasil, tem por objetivo formar marinheiros para o Corpo de Praças da Armada. Até então, as tripulações dos navios brasileiros eram compostas por marinheiros e oficiais estrangeiros, mercenários, portugueses, ingleses, franceses etc. À época da proclamação da Independência do Brasil, praticamente não existiam brasileiros nas guarnições, motivo principal das enormes dificuldades encontradas pela Marinha para sufocar as rebeliões em várias províncias" (site da EAMSC).

Atualmente, seu Comandante é o Capitão-de-Fragata Eduardo Ferreira da Silva, natural de Brasília-DF. Constitui-se, certamente, no primeiro comandante militar, nascido na nova Capital Federal. Substituiu o Capitão-de-Fragata Paulo Fernandes Baltoré, em 6/7/2007.
Vêm sendo oferecidas 400 vagas anuais. Em 2006, formaram-se 342 marinheiros. Neste século e meio de existência, totalizou o expressivo número de 17.489 concluintes.

Nas instituições em que atuamos, pudemos vivenciar o clima de cooperação e de integração com a comunidade na qual a EAMSC está inserida: na UFSC, ao viabilizar a implantação da disciplina Prática Desportiva, cedendo sua praça de esportes; na Prefeitura de Florianópolis, ao homenagear, anualmente, o melhor aluno da Escola e, na sesquicentenária Capela de São Sebastião da Praia de Fora, pela participação de seus alunos e do Capelão Militar nos festejos em louvor ao glorioso mártir, patrono dos militares.
Há que se destacar, igualmente, a atuação solidária de todo o seu efetivo junto às populações atingidas por ocorrências climáticas adversas de grandes proporções.

Quando da comemoração do seu primeiro centenário, Lucas Alexandre Boiteux (47º Comandante da Escola /1917), registrava: "É supérfluo encarecermos a importância da efeméride. Ela fala por si só, pelas inúmeras gerações de marujos que ali se fizeram homens úteis à Pátria". E o professor e historiador Walter Fernando Piazza, também no jornal A Gazeta, edição de 25/10/1957, deu ênfase à função social da EAMSC que, "além de centro de instrução básica e preparo físico e técnico, tem sido uma escola de civismo e brasilidade".

O significativo evento do sesquicentenário é merecedor de registro e homenagens, pelo que representa a Escola de Aprendizes-Marinheiros para o desenvolvimento do País, muito especialmente para a história e para a economia de Santa Catarina e de sua capital Florianópolis, integrando-lhe a bela paisagem e o seu rico patrimônio, sempre atenta e fiel a seu consagrado lema: "Formar bem para servir sempre".

(Artigo publicado na edição nº 342, abr/mai/jun de 2007, da Revista do Clube Naval, com transcrição autorizada em 4/9/2007. Foram feitos acréscimos e atualizações, em 11/9/2007).